quinta-feira, 29 de agosto de 2013

[MorrendoDeRir.50969] A anorexia glamourizada nas redes sociais






A anorexia glamurizada nas redes sociais matou uma webceleb brasileira. Até quando vamos ignorar este problema?

 

A morte de uma tuiteira conhecida na semana passada trouxe novamente à tona discussões sobre anorexia. O distúrbio não é novidade e está longe de sumir do mapa — a gente sabe disso. A diferença é que este problema aparece nas redes sociais não só como algo normal, mas também como algo "curtível" e divulgado como um "estilo de vida".

E isso é muito assustador. Dai Dornelles, a webceleb gaúcha de 21 anos que faleceu na semana passada, falava abertamente sobre ter anorexia e mesmo assim ganhava likes e elogios apaixonados em suas esquálidas fotos no Instagram.

Só que ao estabelecer esta relação superficial nas redes sociais, seus seguidores não contavam que assistiriam a um fim trágico. Este caso e muitos outros revelam algo importante: precisamos acabar com a associação da magreza extrema a algo cool nas redes sociais. E ainda: que nossas postagens, likes e comentários têm muito impacto sobre a vida de outras pessoas.

 

"Ainda dá tempo de vomitar a janta"

Amanhece um dia qualquer no Twitter — comentários de notícias, memes, piadinhas — e de repente os milhares de seguidores de Dai Dornelles, a @meganfoques, são surpreendidos ao saber que não trocariam mais replies, nem curtiriam mais as fotos da sua "musa": ela havia sido internada com hepatite viral, doença que teria sido encadeada pela anorexia nervosa, e não sobreviveu.

A moça linda do Rio Grande do Sul sofria da doença há algum tempo. Ela era usuária assídua do Instagram (sua conta foi deletada, nem adianta procurar), onde postava fotos expondo barriga e costelas muito magras, e fazendo piadas que glamurizavam seu distúrbio alimentar.

Em uma foto postada há 7 meses (abaixo), onde ela expõe sua barriga e costelas muito magras, Dai disse "Essa eu dedico pras minhas inimigas chora anorexia!!!" e recebeu 138 likes. Fora os comentários do tipo "o que vc fez p ter essa barriga??? Xonei" e "olhei essa foto e pensei: ainda dá tempo d vomitar a janta obrigada". Sua anorexia foi aplaudida dezenas de vezes por seus seguidores.

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"Elogios me davam forças para continuar enfraquecendo"

Amanda Melito passou por um suplício bem parecido com o de Dai, mas ainda bem que sua história teve um final melhor. Ela era conhecida pelo seu Twitter @cherguevara e também postava fotos que mostravam sua magreza, mas sem assumir que tinha o distúrbio. Em seu corajoso relato ao Diário do Centro do Mundo, ela disse que "contava com o apoio de seguidores no Instagram que alimentavam" seu problema:

"Nunca fiz apologia à doença, até porque demorei muito para admitir que tinha um distúrbio, mas continuava publicando minhas famigeradas fotos de elevador. E, mesmo em um estado deplorável, recebia elogios que me davam forças para continuar enfraquecendo."

instag

Amanda foi internada para tratamento intensivo no ano passado e hoje em dia está melhor, mas sabe que ainda precisa reconhecer que "é um dia de cada vez":

"Nunca estaremos livres. Eu tive ajuda. Outras garotas não têm. O que elas têm são centenas, milhares de polegares estendidos positivamente em sua direção dizendo apenas umas coisa: continua assim. Você está linda."

 

Instagram + padrões de beleza = :(

E estes polegares todos prontos para curtir qualquer foto? O Instagram faz com que a gente aprecie as fotos de maneira superficial: a foto passa na timeline, aparece um #selfie do seu amigo e você curte. Fora isso, medimos a nossa popularidade no Instagram pelo tanto de duplo cliques que ganhamos. Mas esse comportamento normal do #Insta não faz bem a quem tem distúrbio alimentar. Como lembra Mel Kenny, autora deste artigo sobre o tema, o "curtir" numa foto de uma pessoa doente faz com que ela se sinta ok, que aquela deformação do corpo seja bonita. E seu problema mental acaba normalizado.

Além de tudo, novamente a culpa cai sobre os padrões de beleza e a indústria da moda etc, o blábláblá que você já está cansado de ouvir. Mas fazer o que se estes dois "atores sociais" têm grande responsabilidade por milhares de mulheres — e homens também! — acabarem com sua autoestima a ponto de machucarem seus próprios corpos?

A combinação de padrões de beleza e a popularização do Instagram, a rede social da ostentação, deixou a cultura da magreza cada vez mais forte. Ainda que ela venha travestida de "vida saudável", como a gente já tinha mostrado neste post.

anorexia_malhacao_2

Afinal, até que ponto uma adolescente ou pessoa com problemas de distúrbios alimentares faz o correto discernimento entre magreza por um estilo de vida saudável e anorexia? E até que ponto postar uma foto de uma barriga magra não é reforçar padrões de beleza tidos como "ideais" e ainda incentivar a cultura da inveja, como lembra Contardo Calligaris neste texto na Folha de São Paulo? Isso por que, se a regra no Instagram é mostrar uma vida perfeita, postar uma foto da sua barriga malhada é mais fácil do que captar aquele momento in-crí-vel num show ou com os amigos, né?

Não é querer "cagar regra", mas se você está no Instagram, independente do número de seguidores que têm, você precisa saber que as imagens que você posta impactam a vida de quem te segue. Portanto, precisa sim pensar sobre o que posta. Vivemos em um mundo onde a imagem tem cada vez mais espaço, as redes sociais fornecem tanto uma visão deturpada do que somos na "vida real", quanto oferecem alto poder de transformação, para o bem ou para o mal. Lembre-se de fazer a soma de tudo isso de maneira positiva.

 

O Instagram e outras redes sociais já tomaram consciência do problema

No ano passado, o problema do grande número de imagens que incentivam anorexia e bulimia na internet gerou polêmica nos Estados Unidos. Com isso, as redes sociais mais populares adotaram medidas para combater a tendência preocupante nos sites. A estética "Tumblr" com suas imagens tratadas com filtros cool e a associação com memes do tipo "Keep calm and…" faziam as postagens com tags como #anamia (anorexia e bulimia) e #thinspo (abreviação da expressão "thinspiration" ou "inspiração de magreza", em português) se espalharem para milhões de usuários debilitados e propensos a distúrbios alimentares. 

O Tumblr baniu estas tags por um tempo. Hoje em dia, é possível encontrá-las novamente por lá, mas toda vez que você realiza uma busca por uma tag dessas aparece um aviso que diz "se alguém que você conhece está lidando com distúrbios alimentares, problemas de autoagressão e pensamentos suicidas, por favor visite nossa página de "Aconselhamento e Recursos de Prevenção" para uma lista de serviços que podem ajudar".

Já o Pinterest conseguiu praticamente varrer este tipo de conteúdo da rede social. Atualmente, quando você busca por #thinspo ou #anorexia, aparecem posts que tentam combater e alertar para o problema. No Twitter e Vine, porém, a coisa anda mais solta. É possível encontrar todo o tipo de tag que trata do assunto, de #thinspo a #anorexia. A tag #thinspo no Vine é totalmente bizarra. Numa rápida passada pela timeline, é possível encontrar vídeos de gente vomitando (!) como este.

thin2

 

O Instagram atualizou suas políticas de conteúdo na rede social no ano passado banindo totalmente a tag #thinspo e incentivando os usuários a denunciarem perfis que fazem propaganda do estilo de vida anoréxico. Porém, as pessoas não são bobas e substituíram letras da tag, como #th1nspo e #thinspoo. Também é fácil achar as tags #anorexia (mais de 900 mil postagens) e #anorexianervosa.

As redes sociais têm feito seu trabalho, mas ainda lidam com uma questão com a qual batem de frente sempre: a questão da liberdade de expressão. Ou seja: a partir daqui, é com a gente mesmo.

 

Se você tem um distúrbio alimentar ou conhece alguém que tenha, procure e ofereça ajuda.

AMBULIM (Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas), é o maior centro especializado em transtornos alimentares do Brasil e da América Latina e oferece tratamento totalmente gratuito. Para mais informações, acesse o site do Ambulatório.

Update (27/08, 20h18): Como lembrou a @LobaMuitoCruel, quem não for de São Paulo pode procurar qualquer Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) da sua cidade e procurar por atendimento médico e psicoterapia ou mesmo um posto do SUS que deverá fazer o encaminhamento para o centro de tratamento mais próximo.


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